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Este ensaio foi escrito como parte da minha revisão pessoal, dentro do meu processo de autoconhecimento e autotransformação. O texto abaixo contém informações de caráter extremamente pessoal. O objetivo dessa postagem é ajudar as pessoas a começarem um processo semelhante de auto-investigação. Esse processo é muito benéfico e vale cada segundo de esforço. O resultado é mais satisfação pessoal, felicidade e paz interior. Espero que o acesso ao meu trabalho o motive a iniciar um processo semelhante.
Andre Barreto, 18 de janeiro de 2008.
As Quinze Dualidades.
As quinze dualidades a que me refiro significam direções de ação, pensamento e sentimento opostas, dentro da minha personalidade. Um lado da dualidade recria os meus mesmos problemas e queixas de sempre. O outro lado da dualidade é um caminho de saída desses padrões destrutivos. É ousar uma atitude ou ação diferente daquela a que se está acostumado. Significa coragem para confiar num caminho não testado. Significa a maturidade de tentar o novo, ao invés do caminho mais fácil e conhecido.
Essas quinze dualidades da minha personalidade são a síntese de oito anos do meu trabalho pessoal de auto - observação ininterrupta. São o cerne dos problemas e dos temas que tumultuavam o meu ego infantil e por conseqüência a minha vida. Resumem as descobertas principais da primeira etapa do caminho: O autoconhecimento. Na etapa seguinte usarei essa informação para transformar as minhas reações emocionais, meus padrões de conduta e minha vida para muito melhor. Eis as minhas quinze dualidades, colocadas de forma muito sucinta:
1. Desamparo x Auto-nutrição.
2. Dispersão mental x Focalização corporal.
3. Invasão x Fronteiras claras.
4. Isolamento x Contato.
5. Medo x poder.
6. Exclusividade x relacionamentos.
7. Ser criança x Ser adulto.
8. Luxúria x Casamento.
9. Desonestidade x integridade.
10. Orgulho x Auto-estima e humildade.
11. Obstinação/mimo x Entrega.
12. Perfeccionismo x Compaixão.
13. Mesquinhez x generosidade.
14. Inércia x Criação positiva.
15. Morte x Desapego.
Cada pseudo solução infantil envolve outro tipo de dualidade. Ligado ao sistema nervoso límbico, as pseudo-soluções foram elaboradas e adotadas na nossa infância, quando tínhamos de 0 a sete anos de idade. São do tipo "ou – ou", como nos exemplos abaixo. É como se nos deixassem numa sinuca ou beco sem saída. Tipo "se ficar o bicho come, se correr o bicho pega":
1) "Ou vou morrer e desaparecer ou vou passar o resto da minha vida tentando em vão vencer a morte."
2) Ou fujo da realidade e não vivo a vida material real ou vivo uma vida encarnada no meu corpo, mas dolorosa e sem sentido.
3) "Ou sou invadido humilhantemente ou me torno independente logo mas fico carente e desamparado."
4) "Ou sou egoísta, mesquinho e manipulador e todos vão me odiar por isso ou serei infeliz porque não conseguirei as coisas ao meu modo."
5) "Ou fico com alguém e não sinto excitação ou sinto excitação mas não fico com ninguém."
6) "Ou sou perfeito e sou respeitado, e digno do meu respeito próprio mas com isso sacrifico todo o resto do meu tempo e minha vida ou aceito que sou medíocre, que ninguém me amará ou me admirará, e principalmente, perderei o meu respeito próprio."
7) "Ou tenho desejos e vou sofrer com a frustração ou paro de ter desejos e frustração, mas terei uma vida vazia e sem nada."
8) "Ou aceito estar com as pessoas e ser invadido ou não sou invadido mas fico sozinho me sentindo desamparado e carente. "
9) "Ou traio a mim mesmo ou apanho por desafiar a ordem externa".
10) "Ou aceito que minha mulher dê atenção para outras pessoas, mas aí sei que vou perdê-la ou não permito que ela o faça, mas aí também vou perdê-la."
Pseudo - soluções infantis para a felicidade.
Investigar o inconsciente é uma das aventuras mais interessantes e difíceis. Lacan defendia a idéia de que o nosso inconsciente infantil é estruturado como uma linguagem. Um tipo de "linguagem perdida da infância". Essa linguagem tem uma lógica própria, embora limitada, é consistente para o nível cognitivo de uma criança de quatro anos. Esse nível de raciocínio foi usado por nós para tentar minimizar o nosso sofrimento infantil e para tentar controlar o ambiente em que vivíamos. A idéia era tentar maximizar o prazer e minimizar a dor. Estamos no nível pré-operacional de Jean Piaget. Um mundo mágico, de poderes e seres míticos. Um mundo, embora esquecido, ainda muito ativo em nossa vida e em nosso subconsciente. Exemplos de uma conclusão errônea infantil, tirada do meu próprio ego infantil: "Meus pais só pensam em dinheiro. Meus pais são infelizes. Portanto, dinheiro faz as pessoas infelizes. Eu quero ser feliz, portanto não quero dinheiro" ou esse: "Papai quer que eu seja garanhão e conquistador de mulheres. Mamãe não quer que eu lide com sexo, pois ele é sujo e mau, e as mulheres o odeiam". Preciso agradar aos dois para ser amado, mas não sei o que fazer. “Empurrado em direções contrarias, fico confuso e prefiro me afastar e não lidar com o assunto o máximo que conseguir”.
Embora talvez eu nunca tenha pensado essas questões nesses termos, o meu inconsciente funcionou e de muitas maneiras ainda funciona desse modo.
Para superar os problemas causados por tais distorções e conclusões equivocadas, foi preciso cavar fundo e descobrir essas vozes dentro de mim na observação diária, de uma maneira muito vívida e real. Teoria apenas não basta. É preciso acessar a voz do ego infantil.
Autoconhecimento.
O meu trabalho de autoconhecimento começou com diários. Neles, tentei identificar meus padrões de comportamento de reações emocionais, de pontos problemáticos, que me causavam angústia. Fiz minha primeira lista em 95, num retiro de um ano em Nazaré Paulista. Usei a idéia do Claudio Naranjo de identificar meus padrões de conduta e de drenagem de energia do ego. Um pouco depois, quando comecei a estudar a abordagem de autoconhecimento criado por Eva e John Pierrakos aprendi a técnica da revisão diária. Essa prática incluía identificar o evento que me causava reações emocionais negativas, identificar os pensamentos e crenças infantis ligadas ao evento. A revisão diária poderia também ser feita em forma de formulário, como o abaixo:
Quadro um: Modelo de Revisão diária.
Quadro um - Modelo de Revisão Diária
Modelos mais sofisticados hoje estão à nossa disposição, como os modelos da terapia cognitiva de Aaron Beck, dos quais falarei em outra oportunidade.
Depois da etapa de identificar os padrões de reação emocional e as imagens a elas relacionadas, tentei identificar um padrão, uma origem na minha história de vida e a lógica infantil e distorcida por trás de cada comportamento. Tentei rastrear os resultados de se levar adiante tal conduta infantil. Em geral, os resultados eram negativos e frustrantes. Ao final de cada semestre, revisava o diário e tentava localizar temas com os quais já tinha lidado, e temas novos que estava descobrindo.
Veja postagem sobre meus diários neste link:
http://bcpandre.blogspot.com/2007/10/vinte-cadernos.html
Abaixo, um exemplo tirado de um desses resumos semestrais. Os números de páginas citados se referem às páginas do diário da época.
24/06/98.
Síntese do trabalho com o eu observador – 1º semestre de 1998.
1. Aprendendo a reter minha energia do ego, ao invés de deixá-la esvair-se.
2. Compulsão à negatividade x Prazer positivo de estar bem no relacionamento com minha namorada (ver pág. 219).
3. Aprendendo a ser um homem em contato com sua dor oral, ao invés de ser um menino que se protege da dor.
4. Vontade para a vida espiritual, contra a displicência e falta de disciplina na prática espiritual. Percebendo o prazer em estar com a consciência expandida, mesmo em dor oral.
5. Curando minha relação com meu irmão (Ver pág. 221).
6. Organizando minha vida profissional. Evitando exageros em compilações sem necessidade.
7. Lidando com agressividade dos alunos (Pág. 194).
8. Facilidade para traumatizar (Pág. 198).
9. Descobrindo a imagem: "Todas as minhas amizades são motivadas por algum tipo de interesse egoísta. Portanto, vou eliminá-las".
Etc...
Aos poucos, fui percebendo padrões em minhas reações emocionais e comecei a fazer uma lista deles. Com pouco tempo, minha lista preenchia algumas páginas de caderno. Foi a primeira grande compilação de autoconhecimento significativa que fiz. O passo seguinte foi tentar localizar no tempo e no espaço a origem daquelas ocorrências na minha infância. Depois de alguns anos, retomei os resumos semestrais e comecei a organizar uma lista das questões principais da minha vida; Aquelas que permaneciam me causando problemas, ou seja, as questões recorrentes; As mais difíceis de modificar. Sem perceber, a lista foi saindo. Eram cerca quinze questões difíceis para mim. Todas ligadas a um ponto da trajetória do meu desenvolvimento. Todas traziam pseudo-soluções infantis para a resolução do problema. Todas inevitavelmente me criavam ainda mais problemas (Como se observa quando se analisa as conexões dos meus problemas infantis com os problemas que tive no início de minha vida adulta). Todas com um potencial intrínseco de transformação.
Resignificação.
Cada ponto parado do meu desenvolvimento significa uma imaturidade; Algo em mim que não cresceu e se desenvolveu como deveria por qualquer razão e um esforço do ego infantil para lidar com algo além de sua capacidade. Aqui entra a segunda parte do trabalho. Ativar o ego adulto para negociar com o ego infantil, a fim de encaminhar primeiro uma nova visão do problema, mais alinhado com a realidade adulta, mais provido de instrumentos eficazes de resolução das pendências e angústias. Por exemplo, o meu ego infantil tem medo quando precisa dividir a atenção de minha esposa com uma pessoa que ela goste. Meu ego infantil sente como se fosse perder a pessoa amada, exatamente quando aconteceu aos três anos de idade, quando ainda ansiava pelo amor materno e paterno, mas tive que lidar com o nascimento de minha irmã. Como já havia um problema anterior de desamparo e abandono, a sensação de perigo e de ameaça à sobrevivência foi muito real para mim aos três anos, mas não é mais aos 41! Então, quando a situação se repete, o sentimento aparece, começo a suar frio, quase entro em pânico. Então é o momento de argumentar com o ego infantil, acalmá-lo, dizer a ele que não há mais aquele perigo; Que as coisas mudaram agora. Que ele não vai morrer se a atenção da mulher for direcionada para outra pessoa por alguns momentos. O ego adulto acompanha internamente o ego infantil, dando suporte emocional e checando a realidade constantemente: Dizendo algo como: "Está vendo? Tudo está bem. Não há motivo para pânico!" Nas ocasiões futuras em que essa situação se repetir o medo irá diminuir mais e mais, enquanto o ego infantil se torna mais forte e confiante e a autotransformação se consolida. Mas perceba que é preciso que o eu se identifique e confie no ego adulto, abrindo mão de sua identificação anterior com o ego infantil. Esse é o trabalho.
Perceba também que seguir o caminho novo proposto pelo ego adulto também significa desafiar uma solução infantil há muito tomada, e que haverá muita resistência e medo para abandoná-la. Literalmente, isso significa que entraremos num embate interno entre dois lados da nossa personalidade! É preciso alguma habilidade para não perder o fio da meada durante essas incríveis negociações interiores.
Essa segunda etapa também é chamada de resignificação. Na abordagem de Eva Pierrakos chamamos de "trabalhar com as imagens". Sempre significa o confronto de uma visão de mundo infantil que nos causa problemas com uma visão adulta positiva, alinhada com uma abordagem psicológica saudável, com o potencial para desdobramentos transpessoais.
Abaixo, exemplos extraídos das dez dualidades, expressas em termos de confronto entre essas duas visões, conforme o meu trabalho pessoal.
Quadro dois: Resignificação.
Quadro dois - Resignificação
Potenciais transpessoais.
Na minha visão de ser humano, o crescimento não pára ou não deveria parar na fase adulta. Há potenciais para além de uma mente equilibrada e funcional que nossa cultura ainda não assimilou completamente. São nossos potenciais transpessoais, ou espirituais. Chamamos de espiritual ou porque não o entendemos ou porque a ciência empírica é incapaz de detectá-la com instrumentos de medição externos. Os instrumentos necessários para acesso ao reino transpessoal são internos. É necessária uma ciência interior. Essa ciência já está aí, trazida em parte pela psicologia, em parte pelas tradições de sabedoria.
Transformação.
Concluindo, cada dualidade trazida envolve um problema da infância, uma visão errada de como a resolvê-la, uma visão correta, e um potencial transpessoal de desenvolvimento.
Também se manifesta numa área específica no meu corpo, e está ligada a um tipo específico de dor ou sofrimento. Estes aspectos estão mais bem descritos na tabela mais abaixo.
Voltando à minha metodologia de trabalho de transformação interior, a etapa seguinte consistiu em usar as duas principais ferramentas de transformação: A meditação e a visualização criativa em conexão espiritual.
A meditação nos ajuda a desidentificar nosso ego dos aspectos que queremos mudar, afinando a nossa percepção interior para futuras recaídas. E a visualização criativa em conexão espiritual, ou simplesmente oração focalizada, fortalece a intenção da transformação. Aqui é que o poder do segredo se manifesta com força total. Feita a lista, que passei a chamar de "quinze dualidades". Afirmo em voz alta a minha intenção: "Desejo morrer/secar/desvitalizar para este aspecto negativo e crescer/desenvolver/vitalizar na direção de seu equivalente positivo". Um exemplo tirado do meu próprio caso poderia ser: "Desejo (ou: Peço ajuda espiritual para) morrer para minha idéia equivocada da morte, e crescer na direção do desapego e de uma visão mais acurada e realista da morte".
Quadro três: Quinze dualidades.
Quadro resumo - Quinze Dualidades
História das dualidades.
Durante as dores do parto comigo, minha mãe não teve dilatação da bacia. O médico, um velhinho, insistiu para que o parto fosse natural até o último momento. Mamãe foi levada para a sala de operações às pressas. Nasci no último momento possível. Estava roxo, quase asfixiado, segundo as testemunhas que estavam na sala. Acredito ter desenvolvido um tipo de defesa de retirada energética e uma impressão de que o mundo físico é um lugar hostil. Essa impressão me acompanha desde que me conheço por gente. Na escola, os professores chamavam a atenção de meus pais para o meu perfil "avoado", sonhador, que não mantém os pés no chão. Meus interesses sempre foram ligados à filosofia, temas esotéricos, música. O mundo material me é estranho e doloroso. Faço o que posso para viver na minha cabeça e esquecer a minha condição de estar encarnado. Embora nunca tenha sido diagnosticado, tenho certeza que desenvolvi algum tipo de déficit de atenção (TDA). Com vinte anos tive uma fortíssima crise de pânico ao consumir numa festa dois tipos de substâncias diferentes: Durante essa experiência, minha pressão caiu, não consegui mais sustentar o peso do meu corpo, e literalmente entrei em um estado de consciência alterada. Comecei a visualizar miríades de cores confusas, e a sensação corporal era da morte iminente. Sabia que se perdesse a consciência, não retornaria mais. Lutei para manter a sanidade por algumas horas. A angústia que experimentei não foi à proximidade da morte real, mas a experiência de reviver o meu trauma do nascimento. A partir de então, por muitos anos, avaliei a morte do mesmo modo como avaliei meu difícil nascimento. Acredito que a morte pode ser bem mais harmoniosa do que o nascimento naquelas condições.
Na fase oral, sentia a invasão da minha mãe e me recolhia dela. Tentava crescer rápido para não precisar dela. Tentei me direcionar ao papai. Essa manobra me deixou vulnerável e desamparado. Sempre fui uma pessoa triste. Essa melancolia me acompanha desde sempre. Sinto pouca vontade de ir para a vida e tenho dificuldades em me conectar com outros seres humanos, já que essa conexão básica com minha mãe nunca se consumou. Há uma falta básica em mim. Um buraco que não tampa. Uma ferida que não cicatriza. Minha tristeza é um sintoma dessa falta básica. Quem ficava comigo a maior parte do tempo era uma babá. O modelo de mãe da minha mãe era minha vó, que também não soube acolher com intimidade nenhum dos filhos. É provável que ela também não tenha tido uma mãe muito atenta às suas necessidades. Essa corrente atemporal de patologia provavelmente atravessa eras até um passado remoto de minha família. Em especial minha mãe não teve atenção de minha vó. Ela nasceu um ano antes da Helena, minha tia, que ao que parece, teve a prioridade como bebê de colo. Com um ano,
Mamãe já foi deixada de lado.
Mamãe era muito invasiva, barulhenta e estabanada. Não tinha a calma necessária para se conectar comigo aos cinco meses de idade. Inevitavelmente eu sentia um tipo de repulsa quando estava em seu colo. Tentei crescer bem rápido para escapar do seu colo opressor. O resultado disso é que fiquei com um profundo sentimento de desamparo e abandono, que volta com freqüência para mim.
Com poucos meses, desamparado, sentindo-me invadido por minha mãe, fui ao encontro do Papai. Queria que ele suprisse a minha carência oral, o que obviamente era impossível.
Aos três anos, nasceu minha irmã, que ficou com todas as atenções da casa para ela. Nesse ponto para frente, passei a me sentir, além de desamparado e abandonado, com a minha vida ameaçada. "Agora nem a migalha de atenção que recebo é mais garantida". Sentia a frase anterior no meu estômago. Passei toda a minha infância com esse sentimento de medo e ameaça. É o sentimento que experimento quando tenho que dividir a atenção da minha mulher com alguém. Preciso de exclusividade na relação. Costumo me relacionar com uma pessoa de cada vez, como numa relação mãe e filho.
Desesperado pela atenção de meus pais, acabei regredindo à fase oral por volta dos quatro ou cinco anos. Percebia que era o único modo de chamar a atenção. Numa fase em que as crianças estão buscando sua autonomia, voltei a fazer xixi na cama. Acordava com muita vergonha. Apanhei algumas vezes na região dos genitais. A herança dessa fase foi uma retenção tão grande na musculatura da bexiga que desenvolvi uma dificuldade em urinar que me acompanha até hoje.
A percepção que mamãe teve de mim na época foi bem precisa: Fiquei abalado com o nascimento de minha irmã. A solução é que não foi saudável. Ela tentava compensar aquilo da maneira que ela sabia: Mimava-me, tentava fazer pactos comigo, como aquele da casa do vovô (sentindo-se abandonada por papai, quando estávamos na casa de meu avô paterno funcionava um tipo de pacto entre nós: "Eu te faço sentir-se especial e você não me deixa sentir abandonada" – O resultado dessa atitude foi uma polarização afetiva que nos deixava de um lado, e papai com meus irmãos do outro. O problema é que eu queria fica do outro lado, que achava mais legal, e não entendia porque era um pouco deixado de lado nessa época). De certa forma, mamãe comprava minha insatisfação me beneficiando com pequenas coisas. Lembro-me do pacote de figurinhas, em nossos álbuns de coleção. Sempre comprava mais para mim do que para meus irmãos. A vida para mim era um desfile de desejos que tinham que ser realizados. O problema dessa atitude foi o egoísmo com o qual tive que lidar a vida inteira. Tenho compulsão ao egoísmo. Se abrir mão dele, da minha mesquinhez, encontrarei um profundo sentimento de desamparo por trás. Estou aprendendo aos poucos a penetrar na dor e a abrir mão da mesquinhez. Estou descobrindo o prazer de ser generoso traz. Outro problema do egoísmo é a culpa que ele gera e a necessidade de autopunição para aplacar esse sentimento. Muitas vezes, ao ter sucesso ou me dar bem, sentia uma ansiedade. Examinando essa ansiedade, descobri uma voz que dizia: "Cuidado, você está se dando bem demais! E você não merece esse sucesso, pois você é um menino mau, egoísta".
Também desse período, lembro-me do ambiente edipiano em que cresci. Uma mãe assexuada e um pai explosivo: Resultado: defesa de caráter passivo – feminino. Sexo primeiro era uma coisa inexistente. Quando descobri aos sete anos que o pinto do homem servia para outra coisa além de fazer xixi, fiquei intrigado. Depois, passou a ser uma coisa feia e proibida. Por isso a promiscuidade sempre me atraiu e me excitou. Sempre acreditei que as mulheres não gostavam de sexo. Era algo que só os homens queriam e algo para se envergonhar. Lembro-me de descobrir maravilhado na adolescência, com minha namorada na época, aliás, minha atual mulher, que uma boa relação sexual era boa para ambas as partes. Havia um sentimento de preenchimento mútuo. Isso nunca tinha passado pela minha cabeça!
Com seis anos, fiz planos com um amigo de ir à "Amazônia para caçar 100 índios". Íamos saltando de um ônibus a outro até chegar lá. "E moraríamos em casas feitas por Castores". Chegamos a sair a pé em direção à estrada, eu e meu amigo. Fomos resgatados por uma amiga da família, que passou de carro e nos viu. Demorou anos para decodificar o significado desse projeto infantil. Meu pai dizia ser filho de índios. Esse era o meu grito edipiano mudo e deslocado, projetado nos índios da Amazônia. Jamais ousaria sequer pensar conscientemente qualquer desejo hostil contra meu pai. Ele era um homem violento e imprevisível. Minha agressividade era totalmente rechaçada por ele. Não ousava desobedecê-lo ou contrariá-lo. Procurava ler nas entrelinhas o que ele queria de mim e tratava de me tornar rapidamente aquilo. Essa submissão, esse medo de ser espancado me acompanha até hoje. Ainda tenho alguma dificuldade de lidar com pessoas agressivas. Também tenho alguma dificuldade em me impor. Impor meu pensamento e minhas idéias. O trabalho como professor e o contato com os alunos muito me ajudou nesse aspecto. Meu casamento com uma mulher com perfil agressivo também.
Na fase do poder, oscilava entre as turminhas ou do Marcos ou do Luis Fernando, que eram os reais líderes da turma, na minha escola. Estamos falando aqui da primeira e segunda série primárias, dos meus oito anos de idade. Eu era um tipo de pau mandado. Não tinha autoconfiança. Tinha medo de brigar, de ser espancado. Uma vez tomei um soco do Juliano porque passei na sua frente para escovar os dentes e não reagi. Tinha medo não de apanhar, mas de ser massacrado. Não tinha o incentivo do Papai, que me via como um tipo de rival. Ele não me incentivava, ou me acompanhava em brincadeiras. Eu só tinha medo dele me bater, se eu fizesse alguma coisa errada.
Essa ação da mamãe de me mimar, de me fazer acreditar que o mundo está aí para satisfazer meus desejos combinado ao fato do meu ótimo desempenho no futebol formou o contexto para que eu construísse uma auto-estima substituta: Um sentimento de valor próprio baseado no meu desempenho no futebol. E eu era talvez o melhor jogador do meu clube. Lembro do "Nelsão", treinador do clube, comentando quem seria convocado a viajar para representar o clube em São Paulo, num campeonato: "Precisa ter a raça do Andre", ele disse. Um colega comentou no meu ouvido: "Você já está garantido nessa convocação". Eu era realmente bom no futebol. Eu sabia. Todo mundo sabia. Foi assim até o fim do colegial. Era respeitado ali naquela arena, pela primeira vez na vida. E gostei daquele sentimento. Não saía de lá. Minha vida se afunilava cada vez mais numa coisa só. Também tinha boas notas, mas não um desempenho comparado ao futebol. Construí uma auto-imagem de ser "o melhor" e me agarrei a ela. Depois, tentei transferir essa auto-imagem para outras áreas, mas não adiantava: Não tinha o mesmo desempenho. Assim nasceu meu orgulho.
O perfeccionismo compulsivo veio depois. No futebol, tudo o fluía naturalmente, sem esforço. Era uma relação transcendente com a bola, o espaço, a antevisão da jogada, a arte de colocar a bola onde eu queria. Mas com o resto não funcionava assim: Com a música, tive que sempre me esforçar muito. Em todo o resto, não bastava ser bom: Eu queria recriar a experiência de ser o melhor, que estava acostumado na adolescência! Isso teve um alto preço! Passei muitos anos trancafiados, estudando, para nada, ou muito pouco. Muita perda de tempo e de oportunidades de ser feliz de outras formas mais saudáveis. Até hoje percebo minha tendência mental compulsiva para fazer as coisas de maneira não boa, mas excelente. É muito difícil sair dessa compulsão, depois que já estou dentro dela.
Eu crescia me sentindo preso e oprimido por meus dois pais: Com mamãe, nada batia. Não combinávamos em nada. A relação era muito difícil. Meu pai era muito duro e rígido. Não me entendia tampouco, nem de longe. Não gostava de música. Nunca conheci ninguém além dele que não gostasse de música! Queria me livrar de tudo aquilo. Fantasiei muitas vezes fugir de casa. Acabei concretizando duas fugas. Uma em 84 e a maior, em 87. Pensava: "Quando me emancipar, só vou fazer o que tiver vontade!" Outro sintoma de não querer crescer é a minha estatura baixa. Quando imaginava como seria minha vida após a faculdade, nada vinha: Não tinha nenhuma referência do que era a vida adulta. Trabalho, profissão, carreira. Isso tudo era grego para mim. Não havia orientação de nenhum lugar. Por isso demorei dez anos a mais na adolescência do que seria o necessário. Os planos frustrados da minha infância foram projetados para a minha vida adulta jovem: Viajar, fazer só coisas legais. Veja a profissão que escolhi: Música! Pura diversão. "And your chics for free". Essa abordagem (de ser criança para sempre) me levou para comportamentos que são compreensíveis numa criança, mas inadequados num adulto. Meu comportamento manipulador, às vezes desonesto, para ajustar o mundo à minha vontade. Pequenas mentiras, exageros, pequenas desonestidades. Que mal fariam, não é mesmo? O problema é a culpa inconsciente que esse comportamento gerou. A culpa inconsciente conduzia a um desejo de autopunição que sabotou por anos meus planos e minha felicidade.
Outro lado da minha falta de maturidade é o extremo egoísmo e a mesquinhez, já comentada anteriormente. Felicidade para mim era ver meus desejos realizados. Aos poucos fui percebendo que realizá-los não me realizava como pessoa. Sobrava um sentimento de vazio. Estava desconectado da vida social. Era eu comigo mesmo.
Conforme ia descobrindo que a vida não é o palco onde meus desejos são inexoravelmente realizados, o sentimento de frustração aumentava e com ele um ódio auto-direcionado, e comportamentos autodestrutivos. No terceiro ano da faculdade, a tensão com minha família alcançaram o auge. Cursava Publicidade e Propaganda, mas não estava realmente interessado. Aquele curso era mais uma forma de atenuar a pressão que vinha do meu pai. Minhas ações estavam na profissão de músico. Tentara montar uma banda em São Vicente, com músicos que conhecera em pequenos trabalhos. A coisa foi bem durante o verão de 85. Em Março, o sonho acabou. Meus colegas não toparam largar tudo para encarar a carreira de músico. Fiquei realmente deprimido. Ao final do ano, saí para viajar e não voltei mais. Passei nove meses viajando por aí, meio sem destino, e mais perdido do que nunca. Quase cheguei ao ponto onde não há mais volta. Em Ouro Preto, envolvi-me com política estudantil e passei a militar. Queria dedicar minha vida a uma causa. Envolvi - me numa busca esotérica seguindo os passos de Carlos Castaneda. Experimentei estados alterados de consciência. Meu mundo caiu numa crise quase psicótica ao voltar para São Paulo, e também com a morte do Papai.
A morte de papai piorou as coisas. Toda a família se apoiava nele. Ele era a referência de realidade para todos nós, em todos os sentidos. Nós quatro: Mamãe eu e meus irmãos éramos todos crianças inexperientes, ingênuas e incapazes de conduzir sozinho nossas vidas. Lembro-me de ter pensado no hospital, no dia em que ele morreu: "Estou ferrado; Agora serei eu e a mamãe. Será um inferno!". A partir dali um difícil aprendizado iria começar para todos nós. E pior: A morte de papai me obrigaria a ficar em São Paulo, ajudando mamãe a cuidar das necessidades materiais que se faziam urgentes. Inventário, seguro de vida do papai, apartamento com dívida ativa, e outros. As duas pessoas com relação mais difícil colocadas para viver juntas. Odiei profundamente aquela situação, a frustração era imensa e meu potencial autodestrutivo estava crescendo rápido. "Como a vida ousava fazer aquilo comigo? Contrariar meus planos!"
Obrigado a ficar em São Paulo contra os meus planos, isolei-me cada vez mais. As tendências distorcidas de personalidade começavam a prevalecer na minha personalidade. Comecei a fazer terapia. Desprezava a sociedade, os caminhos normais de carreira, de casamento. Abominava tudo isso. Fui me afastando de meus amigos. Fui ficando mais e mais arrogante na minha cegueira. Por trás do isolamento e da arrogância, um profundo sentimento de inadequação; De baixa auto-estima. De sentir que tinha alguma coisa errada comigo.
Com o aprofundamento da percepção de que a minha felicidade estava ficando cada vez mais fora do meu alcance, comecei a parar de querer, de desejar. Há essa altura, felicidade ainda era sinônimo de ter os meus desejos realizados. O raciocínio por trás dessa decisão pode ser expresso assim: "Se não consigo realizar meus desejos, vou parar de vez de ter desejos. Assim quem sabe sofrerei menos". Minha vida entrou numa inércia. Diminui o ritmo. A angústia era maior que nunca. Era hora de procurar ajuda.
Toda essa descrição interior não faz e mim um crápula, ou alguém sem caráter. Saber que tenho impulsos de comportamento e sentimentos dentro de mim não significa que cederei a esses impulsos. Quanto mais conheço esses impulsos, quanto mais se tornam familiares, mais é possível lidar com eles e transformá-los. Tomar caminhos diferentes. Quanto mais fugimos deles, que é o que todos fazemos a maioria das vezes, mais força lhes delegamos para controlar nossas vidas e aparecerem em momentos indesejados.
Com a terapia, iniciou - se um longo e fértil processo de autoconhecimento e autocura, que se desdobra até hoje. Estou muito longe da pessoa que eu era no início de minha vida adulta. Novos desafios foram surgindo, basicamente todos ligados a aprender como é viver uma vida como adulto. E esse aprendizado continua até hoje. Conhecer o meu ego infantil me libertou dele e dos problemas por ele causados. Foi e ainda é a maior tarefa da minha vida. Hoje tenho clareza de que a felicidade, se é que ela existe, está em minhas mãos. Não depende de mais ninguém.
Eu observador especializado.
Uma vez iniciado o processo de auto – observação, ele não tem mais fim. Há uma idéia equivocada a respeito desse exercício. As pessoas pensam que é cansativo ou exasperante manter a atenção focada constantemente no que acontece dentro de nós. Esse tipo de atenção é uma atenção relaxada. Estamos acostumados a prestar uma atenção tensa às coisas. É preciso aprender com a própria prática. Para manter as transformações conquistadas, é preciso uma vigilância constante do espaço de minha consciência. Algumas dicas específicas podem ajudar a reconhecer os padrões de distorções das quinze dualidades. Eu os chamo essas dicas de "eu observador especializado". Se for visitar alguém que sei que evoca em mim algum desses pontos, algum sentimento negativo, já "ativo o meu observador especializado", que me ajuda a detectar possíveis recaídas de comportamento ou sentimento. Abaixo, algumas descrições do meu "observador especializado".
1. Medo da Morte: Perceber quando/Situação: Motivação para meditar. Exagerar na auto-preservação. Situação que corre riscos.
2. Dispersão mental: Cuidar da compulsão a assistir televisão. Cuidar para priorizar sempre o trabalho real; Aquele que paga meu sustento.
3. Invasão: Quando estou com minha mulher, quando estou com mamãe, Quando estou com tipos orais.
4. Desamparo: Ao final do dia. Sentir sensações na garganta. Quando me exponho a situações de tensão; De ter que ser forte ao resolver problemas.
5. Necessidade de exclusividade nas relações: Quando viajo ou saio com a minha mulher e mais pessoas. Quando estamos juntos com o filho dela.
6. Luxúria: Quando percebo um esfriamento no interesse sexual por minha mulher.
7. Obstinação: Quando estou tenso. Quando me sinto amargo agressivo ou deprimido. Observar quando quero forçar um resultado. No transito. No supermercado. Numa reunião de trabalho.
8. Submissão: Observar situações em que preciso me impor ou tomar posições políticas. Atuando com alunos ou em reuniões profissionais. Quando estou perto de um policial.
9. Orgulho: Observar quando sou elogiado em público; Reconhecido pelo que fiz ou outro motivo. Observar quando sou olhado por outras mulheres. Observar quando estou na presença de alguém famoso ou de um estrangeiro. Observar meu apego a um trabalho bem feito; A dificuldade de deixá-lo para trás e seguir adiante.
10. Desejo de ser criança: Observar quando ingresso num ambiente profissional ou quando saio com a minha mulher.
11. Desonestidade e manipulação: Observar quando evito relevar informações para evitar minha exposição. Observar minha tendência ao exagero. Observar o ambiente de trabalho, familiar e intimo.
12. Perfeccionismo: Quando minha cabeça começa obsessivamente a querer realizar uma tarefa a custa do sacrifício do equilíbrio da minha vida. "Deixo de comer, esqueço da minha mulher, deixo de fazer tudo para terminar aquilo".
13. Mesquinhez: Observar em especial quando estou em ambiente familiar. Observar quando sou requisitado por alguém, quando me pedem coisas.
14. Isolamento: Observar minha tendência de comportamento no início do fim de semana. Observar quando chegam visitas em casa. Observar quando estou em festas ou lugares com muitas pessoas (em especial onde o tempo não está estruturado, como numa festa).
15. Inércia: Observar a minha ansiedade ou angústia quando começo a ter sucesso ou a realizar algo bom.
Fim
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