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quarta-feira, 17 de setembro de 2008

The Evolving Self - Robert Kegan


Para um artigo sobre este material, acesse

 
Segue um resumo da obra de Robert Kegan: "The evolving Self". 1982. Harvard University Press. Este livro é leitura árdua, não tenha ilusões quanto a isso. Mas abre perspectivas novas e instigantes no trabalho com psicoterapia.
Considero sua leitura fundamental para a construção de uma visão de desenvolvimento do ego adulto na sociedade contemporânea. E também para entender os intrincados processos cognitivos a que estamos sujeitos nas crises da vida, muito além dos traumas emocionais e das questões infantis. Para muito além do corpo e do estudo do caráter.


Boa leitura.
Andre B. - Setembro de 2008.




E. Kant - “A Percepção sem conceituação é cega” .
A. Huxley “Experiência não é o que acontece a você, mas o que você faz com o que acontece a você”.



A proposta principal do trabalho do autor é integrar a abordagem cognitiva - desenvolvimentista de Jean Piaget com as linhas neo –psicanalíticas, em especial a abordagem de relações de objeto.
Essa sua obra inicial, "The evolving self", de 1982, ainda sem tradução para o português, delineia uma teoria completa nessa direção. A 1ª parte do livro explora as teorias de Piaget e Lawrence Kohlberg, que serão integradas no capítulo 3 da parte 1. No capítulo 3 o autor faz uma rápida descrição de sua taxonomia, de um ponto de vista estrutural. Como num "scanner", passamos rapidamente pelos estágios de crescimento a que estamos sujeitos durante toda uma vida. Na parte 2, o autor inicia uma investigação fenomenológica, capítulo a capítulo, etapa por etapa, das fases de desenvolvimento propostas. A saber: A incorporativa/impulsiva (Nível um), Imperial (nível dois), Interpessoal (nível três), Institucional (nível quatro). O estágio interindividual (nível cinco) não é abordado nessa obra. Ele reaparece no seu segundo livro “In over our heads”, de 1994, onde o autor a desenvolve em vários contextos da vida adulta.
Para o autor, a abordagem piagetiana está mais bem equipada para lidar com as questões mais centrais e atuais das psicologias psicodinâmicas, mais em voga na prática clínica contemporânea.


O tema deste livro pode ser descrito como o estudo do ser humano tanto como processo (visão construtivista) quanto como “coisa”, ou entidade. O ser humano é visto como uma atividade: Aproveitando essa fecunda discussão, o autor nesta introdução nos apresenta às duas idéias que, segundo sua visão, mais influenciou a atividade intelectual nos dois últimos séculos: O construtivismo (pessoas ou sistemas constroem a realidade) e o desenvolvimentalismo (Sistemas orgânicos evoluem através de princípios regulares de estabilidade e mudança).

Refletindo sobre a natureza de como a cognição é construída e mantida, o autor argumenta que o que um “organismo faz de mais básico é organizar”. E o que ele organiza é o sentido. Não se trata de afirmar que a pessoa “cria” ou “faz” o sentido. É mais como afirmar que a atividade de ser uma pessoa é a atividade de criar ou fazer sentido.

Não há, portanto, nenhum sentimento, experiência, pensamento ou percepção independente de um contexto de criar sentido. Nada se torna um sentimento, uma experiência, um pensamento, uma percepção por si só.

“A principal coisa que fazemos com o que nos acontece é organizar aquilo”.

Piaget e Lawrence Kohlberg foram dois importantes autores que verificaram o formato universal e transcultural em que ocorre o desenvolvimento humano.

A perspectiva construtivista-desenvolvimentista não teve igual interesse no outro lado da mesma atividade: A maneira que essa atividade é experienciada por um “eu mantido dinamicamente, e com esforço”. Os ritmos e trabalhos da luta por fazer sentido; Para ter sentido, para proteger o sentido, para ganhar e perder o sentido e perder o eu, ao longo do caminho.

Piaget via a construção de sentido pelo lado de fora. O que permaneceu ignorado pela sua abordagem foi uma visão de dentro, interior, o que Fingarette chamou de “Visão Participativa”. O ponto de vista do eu.

As abordagens fenomenológicas e humanistas/existenciais levantaram essas mesmas questões sobre o ser humano, sobre a aquisição de significado, e sobre processo de gerar uma nova visão que contextualiza esse novo eu (e portanto um novo compromisso, uma nova agenda). Mas esses teóricos não tiveram o poder metodológico e teórico de falar em profundidade de uma maneira intersubjetiva sobre essa atividade de criar sentido; De colocar ou mesmo explorar as regularidades entre pessoas nessas atividades, em respeito as suas formas e processos.Fomos deixados, então, com uma abordagem rigorosa porém reducionista, por um lado, e uma concepção rica, mas vaga de atividade psicológica, de outro.

A segunda grande idéia: O “Desenvolvimentismo”. Afirma Phillip Rief: “Consideremos quatro grandes formadores da maneira como nós modernos moldamos nossa experiência: Freud, Marx, Darwin e Einstein. Três deles são desenvolvimentistas. Consideremos agora três grandes contribuidores na área da psicologia: Freud, Piaget e Skinner. Dois deles são desenvolvimentistas”.
Há uma dinâmica curiosa entre as duas linhas de trabalho em psicologia aqui mencionadas. A psicanálise tem pouca vida dentro das academias, mas é a prática guia dentro de hospitais e clínicas. Já a abordagem cognitiva tem florescido dentro da academia, mas está ausente no trabalho clínico. De todo modo, ainda permanece a necessidade de uma meta-teoria que integre as duas visões, com cada uma de suas contribuições. Uma das dificuldades de integração entre as duas abordagens é o fato que cada uma colhe um tipo de dado. E também observa fenômenos diferentes. A psicanálise olha para o “como” e “porque” do equilíbrio psicológico (defesas disponíveis, estilo de caráter, força e capacidade do ego). A abordagem cognitivo-desenvolvimentista lida com o “que” e o “qual” do equilibro psicológico (Distinções qualitativas, entre balanços universais, Estados ou níveis do ego). A psicanálise é comumente associada ao estudo do afeto, e Piaget ao estudo da cognição. Mas ambas estão relacionados a ambos os aspectos. Cada uma tende a eleger um aspecto como dominante e a fazer do outro seu escravo.

Kegan descreve mais à frente o momento sublime em que sua filha aprende a ler a palavra “Areia” (“sand”). Descreve com emoção a dignidade de outro ser humano lutando e se esforçando para criar e dar sentido ao mundo. “O sentimento que senti não tem muita relação com o fato dela ser minha filha ou ser esperta. Mas o assombro de presenciar um ato íntimo de tentar fazer sentido – É muito tocante”. É uma experiência mais comum de presenciar nas crianças do que em adultos ou adolescentes. Será porque somos menos capazes de reconhecer estes fenômenos quando eles ocorrem? Sabemos identificar e apreciar um adulto lutando para reconhecer a si mesmo no meio de sentimentos conflituosos e em transformação? Ou a um adolescente em conflito entre a lealdade a seus próprios desejos e satisfação e sua emergente lealdade a preservação dos relacionamentos recíprocos? Ou a um homem tentando reconhecer suas necessidades de proximidade e inclusão? Ou a uma mulher tentando reconhecer sua necessidade de autonomia e poder pessoal? A teoria aqui proposta nos habilita a ver melhor o que as pessoas estão de fato fazendo. E o que os olhos vêem melhor o coração sente mais profundamente.

A idéia de estágios ou níveis de desenvolvimento encontrava muita resistência na época em que o livro foi publicado. Sua junção da dualidade sujeito - objeto com a idéia de desenvolvimento cognitivo de Piaget abre portas no entendimento do processo psicoterapêutico.

Segue uma descrição dos estágios de Robert Kegan.

No estágio um a criança é seus impulsos e percepções (Sujeito). Kegan o chama de Eu impulsivo/estagio um. Seu objeto de percepção são seus reflexos (sentidos, movimentos). Cognitivamente funcionam no estagio Pré-operacional de Piaget.

No estágio dois (eu imperial) a criança se define por seus desejos, necessidades, interesses (Sujeito).Seu novo objeto de percepção e ação, antes sujeito, é internalizado (impulsos e percepções). Seu nível de cognição (Piaget) é o estagio Concreto – operacional.

O próximo estagio, o estágio três, ou eu interpessoal, o adolescente reconhece que ele não e o único que possui desejos, interesses e necessidades. Existe o outro, igualmente portador de uma subjetividade. O adolescente objetifica então seus desejos e os negocia em suas relações. O relacionamento passa a ser a instancia onde a pessoa se define (O novo Sujeito). Cognitivamente, o adolescente se encontra no nível inicial que Piaget chama de formal operacional.

O próximo estágio a relação é relativizada e objetificada, e o eu (novo sujeito) passa a se definir por uma ideologia interna ou idéia de como as coisas devem ser. As relações se submetem ao novo eu, autônomo e auto-responsável. É o nível quatro do Autor, o Eu institucional. Assim chamado porque precisamos dele para funcionar bem nas instituições humanas como a família (filhos), a carreira (empresa), o casamento (parceiro), a faculdade (pós – graduação), etc. O nível seguinte, o nível cinco, ficará de fora dessa explicação. Já é bastante complicado entender até aqui.

Resumindo a idéia toda num quadro, temos:

Eu sou meus impulsos e percepções (Sujeito)- Eu impulsivo/1 (. Lido com meus reflexos (sentidos, movimentos)- Objeto. Piaget : Pré-operacional.

Eu sou meus desejos, necessidades, interesses (Sujeito) – Eu Imperial /2. Lido com meus impulsos e percepções. Piaget: Concreto – operacional.

Eu sou meus relacionamentos, a mutualidade interpessoal (sujeito) – Interpessoal/3. Lido com meus desejos, necessidades, interesses (Objeto). Piaget: Formal operacional inicial.

Eu sou minha ideologia, autoridade, administração psíquica, (Sujeito)– Institucional/4. Lido com meus relacionamentos (Objeto). Piaget: Formal operacional maduro.



Eu sou a interindividualidade, sou a interpenetrabilidade dos sistemas de eu (sujeito) – Interindividual / Lido com minha ideologia, autoridade, administração psíquica (Objeto). Piaget Pos formal/ Dialetica. (Niveis não estudados por Piaget, mas por seus seguidores).

Para o autor, as demandas da vida moderna como ser pai e mãe, ter sucesso na carreira, ter um relacionamento estável dependem do sucesso de a pessoa atingir o estágio quatro , ou o eu institucional. Nele a pessoa não se define mais por seus relacionamentos, mas se relaciona com seus relacionamentos. A pessoa é capaz de ficar numa instância cognitivamente superior que regula suas relações pessoais em função de uma ideologia ou conjunto de idéias ou convicções de como as coisas devem ser. E o estágio que nos permite ser líderes, de assumirmos responsabilidades e ter autonomia. Em termos de Piaget, nesse estágio a pessoa alcançou o nível Formal operacional maduro.

Os focos investigativos do livro são as etapas de transição, exatamente onde se encontram a maioria dos problemas adultos que levam as pessoas a psicoterapia.  Através da descrição e análise de casos, vamos entrando na mente dos personagens e conhecendo seus problemas por dentro.

No capitulo final chamado de "terapia natural"Kegan avalia como a cultura e a sociedade poderiam servir melhor como facilitadores das etapas de transição da consciência ao longo do caminho. Como numa terapia natural, poderíamos criar ambientes culturais que apoiassem o nosso crescimento.



                                                                        FIM

2 comentários:

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

André, sou praticante do Pathwork e estou super-entusiasmada ao conhecer sua trajetória. Que lindo! Meu coração transborda de gratidão por teres compartilhado sua experiência. Obrigada! Já entrei em contato com tantos novos conhecimentos! A resenha do livro do Robert Kegan me deixou com tanta vontade de ler! Obrigada! Vc excluiu sua conta do myspace? Obrigada, obrigada!